O paciente que pode ser obrigado a amputar o pé por causa da decisão de juiz
07/12/2024
O porteiro Maurílio Rodrigues precisa ser transferido de hospital na cidade mineira de Ouro Preto, mas o juiz determinou que ele compareça pessoalmente, sob pena de extinção da ação. Em Ouro Preto, um juiz exigiu a presença no fórum de um paciente sem condições de alta e que precisa ser transferido de hospital
Um homem doente, que precisa ser transferido de hospital na cidade mineira de Ouro Preto, corre o risco de ter que amputar um pé por causa da decisão de um juiz.
Maurílio Rodrigues tem pressa. A diabetes dele se agravou nos últimos dias. Esta semana, ele fez uma cirurgia para amputar um dedo do pé e ainda corre risco de ter que fazer novas amputações. Ele precisa, com urgência, fazer uma cirurgia de revascularização. O problema é que o procedimento não é feito na Santa Casa de Ouro Preto. A família pediu à Justiça a transferência para outro hospital público.
"Meu filho foi lá e fez todos os trâmites direitinho. Conseguiu fazer os documentos, mas ele trouxe para eu assinar e entregar lá tudo no mesmo dia. Pegou e trouxe para mim. Aí eu fui e assinei", relata Maurílio Rodrigues Araújo, porteiro.
Mas, na sentença, o juiz Neanderson Martins Ramos, da Comarca de Ouro Preto, afirmou que havia divergência entre a assinatura da ação e da carteira de motorista de Maurílio, e que ele não esteve pessoalmente no balcão da secretaria, o que, segundo o juiz, é inadmissível.
O paciente que pode ser obrigado a amputar o pé por causa da decisão de um juiz
Reprodução/TV Globo
Então, intimou Maurílio a comparecer pessoalmente em 10 dias à secretaria, sob pena de extinção da ação. Diante da situação, Seu Maurílio enviou um documento desistindo da ação, explicando que não tinha como ir ao fórum.
"Os médicos não liberaram e não vão liberar para o Maurílio ir lá, não. Se não fizer a cirurgia, porque é má circulação, o sangue não chega lá para cicatrizar. Cortou o dedo, quer dizer que tem que esperar cortar o pé, a perna, até morrer?", afirma Maria Eunice Gonçalves, esposa do Maurílio.
A família pediu ajuda ao Ministério Público, que entrou com uma ação pedindo urgência na transferência do paciente. O mesmo juiz negou o pedido, afirmando que o relatório médico não indicava que o Sr. Maurílio poderia morrer se não fizesse o procedimento.
"Muitas vezes, quando você posterga a execução de um procedimento, quando você consegue executar aquele procedimento, o paciente já está tão debilitado, já está tão deteriorado do ponto de vista clínico, que o tratamento não vai trazer mais o mesmo benefício que traria anteriormente", afirma Leonardo Brandão, diretor técnico da Santa Casa de Ouro Preto.
O Ministério Público entrou com recurso contra a decisão. O juiz Neanderson Martins Ramos não quis gravar entrevista. Em nota, declarou que, por lei, a presença física do requerente é obrigatória em modalidade de acesso gratuito à Justiça. E que, na impossibilidade de comparecimento, o cidadão pode acionar a Justiça por meio de advogado ou pelo Ministério Público, o que, de fato, ocorreu. Mas o juiz não explicou a decisão de negar o pedido de urgência feito pelo Ministério Público.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais declarou que não comenta decisões judiciais.
"Olha a minha assinatura aqui. Olha a minha mão. Você quer que minha assinatura fique perfeita? Não é fácil, né? A gente passar mal aqui", afirma Maurílio.
O Ministério da Saúde afirmou que não foi acionado oficialmente sobre o caso de Maurílio.
LEIA TAMBÉM
Juiz exige que paciente internado compareça ao fórum para dar continuidade a processo de transferência hospitalar
Juiz que exigiu presença de paciente internado nega pedido de transferência hospitalar feito pelo Ministério Público